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 Conhecimento 

Comunicação Empresarial: uma visão crítica

Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno

Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP, editor de 8 sites temáticos em Comunicação/Jornalismo.

Você conhece os botos empresariais?

Há um mito amazonense bastante interessante. Quando uma jovem aparece grávida, sem que o pai seja devidamente conhecido, imediatamente culpa-se o boto pela estrepolia (o boto é aquele simpático “animalzinho” que de vez em quando freqüenta o Globo Repórter e que pode ser até cor-de-rosa). Desta forma, com esta desculpa, , as coisas se acertam na comunidade e nem a moçoila desatenta e nem o nenê sem pai identificado terão problemas maiores no futuro. Foi o boto e pronto e a conversa acaba por aí. E o boto leva a culpa na história...

 

As nossas organizações têm também versões e mitos que se parecem muito com o do boto. Na verdade, há muitos botos circulando pelas empresas públicas e privadas. De imediato, podemos apontar 3 deles: “a Rádio Peão”, a “cultura da empresa” e “Eles lá de cima”.

Você, com certeza, já presenciou as frases seguintes dentro das organizações:

 

“Precisamos desativar essa tal de Rádio Peão. Tudo o que acontece por aqui tem a ver com ela. Sabe, como é, ela está a serviço do Sindicato , que está interessado em botar fogo aqui dentro...”

 

“Tudo bem, você está certo, mas aqui a gente não faz assim porque , você sabe, tem a cultura da empresa e a gente não pode contrariá-la...”

 

“Eles lá em cima não querem que este assunto seja ventilado no house-organ. Eu posso até concordar com você que o tema é importante, mas não adianta. Se eles não querem, não se pode fazer nada.”

 

Os botos organizacionais têm a ver com a falta de transparência nas organizações e a necessidade de justificar o injustificável. Muitas chefias, com muito autoritarismo e pouca autoridade legítima, lançam mão destes artifícios para fugirem da responsabilidade. Mas é importante analisar o fenômeno porque ele integra a comunicação interna das nossas organizações.

 

A Rádio Peão não é, como já vimos em artigo anterior, um bicho de sete cabeças, mas um processo informal de comunicação e absolutamente natural para todas as organizações. Ela existe, cumpre uma função e, necessariamente, não deve ser vista como negativa. No fundo, ela responde por parcela significativa da comunicação interna e é muitas vezes, infelizmente, a única maneira de determinados públicos interagirem em nossas organizações. Quanto mais patrulhada for a comunicação interna, quanto mais tensa e difícil for a relação entre chefes e subordinados, maior será o volume da Rádio Peão. E olha que quando ela quer fazer barulho, é de ensurdecer.

 

Podemos comparar a Rádio Peão ao efeito estufa, apenas para buscar um exemplo que está na mídia, em função das ameaças ao planeta provocadas pelas chamadas mudanças climáticas. O efeito estufa também costuma ser demonizado (“o efeito estufa vai deixar a terra inabitável e precisamos acabar com ele”, você já não ouviu isso alguma vez?), mas ai de nós se não existisse o efeito estufa. Se parte do calor emitido pelo Sol não ficasse retido por aqui, a Terra seria, toda ela, uma Antártida muito piorada e não haveria “clima” para a existência da vida, pelo menos a vida humana. O problema, portanto, não é o efeito estufa, porque a natureza, generosa, de maneira geral, tem equilibrado o calor sobre a terra. O que assusta (e precisa ser evitado a todo custo) é a ação do homem, com sua tendência consumerista, que agrava o efeito estufa, aumentando o calor acima do suportável. 

 

A Rádio Peão é assim também. Ela existe, pode ser útil, é saudável que os funcionários interajam entre si e não é verdade que eles assim o fazem apenas para denegrir a imagem dos chefes e das empresas. Se isso acontece (e não estamos negando que aconteça), é porque, internamente, existe um “clima” favorável para boatos, incompreensões, represálias etc. Só para não aumentar esse debate, já que nos referimos anteriormente à Rádio Peão, será importante lembrar também que o Sindicato não é uma organização que deva também ser vista negativamente. Se não houvesse Sindicato, certamente muitos patrões estariam, mais do que muitos já fazem, pagando salários indecorosos, degradando as condições de trabalho e assim por diante. Demonizar o Sindicato (embora alguns não andem mesmo cumprindo o seu papel) é outra postura equivocada e , talvez, a gente possa imaginar o Sindicato como mais um boto organizacional.

 

O outro boto é a cultura da empresa. Em inúmeras situações, ela aparece para resolver conflitos e justificar medidas, que não são sensatas, de chefias, direções etc. Não se pode colocar certos assuntos no jornal porque é contra a cultura da empresa, não se pode contestar uma decisão equivocada do gerente porque é contra a cultura da empresa, não se pode dar entrevistas para a imprensa porque é contra a cultura da empresa. E durma-se com um barulho desses.

 

A cultura de uma organização é, certamente, algo que deva ser considerado sempre. Ela define a forma pela qual a chefia e os subordinados se relacionam, ela contribui para aumentar ou reduzir a participação dos funcionários no processo de tomada de decisões, ela estimula ou não a pró-atividade no relacionamento com a mídia e ela incorpora ou não a divergência interna. A comunicação interna das organizações varia, para melhor e para pior, dependendo da cultura da empresa. Mas é preciso considerar que muitas vezes as chefias invocam a cultura da empresa como forma de justificar as suas próprias opiniões, convicções, preconceitos etc.

 

É necessário levar em conta que a cultura das organizações também muda, aliás deve mudar, já que o mercado, a cultura da sociedade em que elas se inserem e assim por diante não permanecem estáticos o tempo todo. Como diz o filósofo José Simão, “quem fica parado é poste”. A cultura das organizações resiste a mudanças, mas muda, e, sobretudo, numa sociedade globalizada, conectada, on line, não é possível permanecer o tempo todo imutável. As chefias e os comunicadores devem estar sinalizando para a necessidade destas mudanças organizacionais, mesmo porque adaptar-se às circunstâncias é um sinal de inteligência empresarial. Empresas que se mantiveram paradas no tempo, perderam o bonde da história e algumas delas figuram hoje apenas na memória. Desapareceram quase sempre porque não perceberam que o mundo mudou e que não havia espaço para “organizações-dinossauros”. Assim como esses bichões desajeitados , algumas empresas, apesar de seu porte e de sua força, se extinguem porque as “mudanças climáticas” de repente tornam sua vida insustentável. No mundo atual, se a gente não se adapta , não se antecipa às mudanças, perde a liderança, despenca no mercado e, o que é pior, pode ir pra “cucuia”.

 

A cultura organizacional não deveria, portanto, ser assumida como um boto, algo que justifica ações e posturas equivocadas; pelo contrário, ela deveria ser vigorosa, flexível, inteligente o bastante para perceber para o mundo vai adiante e persegui-lo sempre. As culturas organizacionais devem estar sintonizadas com os novos tempos e cabe à direção posicioná-las adequadamente para que isso aconteça permanentemente. Todos sabemos que algumas culturas tradicionais são difíceis de se movimentar (não é fácil mesmo mover um elefante), mas, se elas permanecerem no passado, não terão futuro. Temos exemplos importantes de que isso tem sido feito: quando chegou a máquina fotográfica digital, algumas empresas tradicionais (Cânon, Nikon, Kodak etc) da área se sentiram ameaçadas, mas, imediatamente, deram a volta por cima e hoje já competem com vantagem no mercado aberto pela nova tecnologia. Quando as impressoras e as copiadoras pessoais ameaçaram a Xerox (que vivia de alugar grandes máquinas copiadoras), ela mudou de perfil e agora está mais preocupada com software, com talento, com o chamado capital intelectual do que com o hardware, a máquina. Empresas inteligentes mudam sua cultura ou perecem.

 

Quando alguém invoca a cultura organizacional para justificar o que não está certo, não é moderno, está cometendo um equívoco imenso. A gente deveria responder para esses chefes: que mude a cultura porque o mundo vai continuar andando para a frente.

 

O último boto organizacional que vamos considerar aqui é o “Eles lá de cima”. Já ouviu falar “DELES”, não ouviu? 

Quando alguém quer justificar uma decisão, uma forma de fazer (especialmente quando elas estão, a nosso ver, erradas), sai logo com esta: “eles não querem, eles mandaram a gente fazer assim” e por aí vai. Na maioria dos casos, os “Eles lá em cima” são meras fantasias, são abstrações, são botos organizacionais alimentados por chefias autoritárias e também por funcionários que buscam uma desculpa para não fazerem diferente. É lógico que mudar um procedimento pode ser difícil para algumas pessoas, mas isso não justifica a paralisia. O “Eles lá em cima” , se soubessem, ficariam indignados com a responsabilidade que lhes é atribuída internamente por um montão de coisas erradas que são feitas nas organizações.

 

Uma forma de resolver o problema é perguntar diretamente para “Eles lá em cima”, mas muitas organizações são tão pouco democráticas, os acessos à autoridade são tão difíceis que os funcionários jamais conseguem saber o que “Eles lá em cima” pensam sobre tal ou qual coisa. Algumas organizações têm implementando programas que visam reverter esse processo (Café com o presidente, Fale com o presidente) e, quando eles funcionam (tem muita hipocrisia aí também), este boto organizacional costuma “sair de fininho”.

 

Enfim, os botos organizacionais existem, nadam tranquilamente por muitos “rios organizacionais” e costumam ser invocados para justificar o que não é razoável. As organizações, principalmente, “Eles lá em cima” deveriam atentar para o mal que os botos andam fazendo para o clima organizacional e para a comunicação interna, em particular.

 

Algumas organizações, de maneira menos inteligente do que os povos da Amazônia, estão não apenas criando botos simbólicos (lá no Norte pelo menos eles existem em carne e osso), mas criando problemas para as moçoilas grávidas. Pior ainda: os guris que andam nascendo destes encontros furtivos não costumam ser bem aceitos na comunidade organizacional. Eles atrapalham o bom andamento das coisas, são mal educados, não tem pai nem mãe. Ou você já viu algum chefe ou diretor assumir que o filho é deles? Coitado “Deles lá em cima”: vão ter que carregar mais esta encrenca. Problema deles. Eles merecem. Puseram o filho no mundo, vão ter que criar. Bem feito.

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