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 Conhecimento 

Comunicação Empresarial: uma visão crítica

Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno

Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP, editor de 8 sites temáticos em Comunicação/Jornalismo.

Sua organização tem medo da Rádio Peão? Não devia

A maioria das organizações tem um receio infundado da chamada Rádio Peão (ou Rádio Corredor), que designa o processo de comunicação que se origina dos funcionários e que, quase sempre, é comandado por eles, com o objetivo de se contrapor à comunicação oficial.

 

A Rádio Peão não entra no ar por geração espontânea, ou seja, ela só é ativada quando algo está acontecendo internamente à organização. Como nenhuma organização é perfeita, ela inevitavelmente ficará ativa, com o volume mais ou menos baixo. E, o que é mais importante, ela está, quase sempre, associada a disfunções, jamais a virtudes organizacionais. Isto quer dizer que, quando sua transmissão é percebida (convenhamos, muitas vezes, o volume é tão alto que dói mesmo nos ouvidos, particularmente das chefias), é porque existem problemas no relacionamento entre a organização e seus públicos internos. 

 

Mas ter alguém que divulga as nossas deficiências não é ruim, embora a gente tenda sempre a raciocinar desta forma. Você já imaginou, se nós não sentíssemos dor ou febre? Seria, pode ter certeza, arriscado porque eles são sintomas de que algo não anda direito e, aceitemos ou não, seria terrível, se eles não existissem. Veja as coisas por outro ângulo: a dor de dente (que coisa horrorosa!) é um alerta, não uma ameaça.

 

A Rádio Peão, em funcionamento, pode indicar uma série de situações. Ela aponta para lacunas no processo de comunicação de uma organização, ou seja, aborda temas ou assuntos que dizem respeito ao corpo de funcionários, mas que, por várias razões, estão sendo deixados de lado pela direção. Por exemplo: a qualidade ou o tipo de comida servida no restaurante (que não deve estar agradando) ; o autoritarismo ou a incompetência de algumas chefias (puxa, isso acontece em todo lugar, não é mesmo?) ou mesmo um cheiro estranho no ar (demissões à vista?).

 

A Rádio Peão não precisa ser estimulada, obrigatoriamente, por forças externas ( o Sindicato é, muitas vezes, responsabilizado injustamente por seu funcionamento), mesmo quando, em sua programação, surgem questões candentes, como aumento salarial, redução do número de horas de trabalho etc. Afinal de contas, numa sociedade em rede, os funcionários, independentemente do Sindicato, podem descobrir que os colegas que trabalham nos concorrentes estão sendo melhor remunerados. A reivindicação não precisa, ao menos, ter um caráter comparativo porque cada um de nós, individualmente, sabemos como é triste a constatação de que o salário está indo embora cada vez mais cedo. É triste, doloroso mesmo, quando sobram dias do mês no fim do salário.

 

Qualquer que seja o motivo, a Rádio Peão é comumente vista como uma ameaça a ser enfrentada. Embora sem ter como evitar que ela continue propagando as suas mensagens, a direção (e, em especial, os seus prepostos) não tem dúvida: ela precisa sair do ar. Algo precisa ser feito, imediatamente, antes que contamine, perigosamente, o clima organizacional.

 

Mas será que ela é mesmo tão perversa? Será que a Rádio Peão tem como objetivo destruir a organização que a abriga e, portanto, deve ser riscada do mapa? E aí vem a pergunta mais incisiva: Mas dá para liquidar a Rádio Peão? A Rádio Peão pode, se a organização decidir, ser tirada do ar? A Rádio Peão é uma rádio pirata?

 

Um equívoco formidável.

 

Aqueles que contemplam, de maneira absolutamente negativa, a Rádio Peão e que a incluem no “eixo do mal” (a expressão é do presidente Bush – sai pra lá, gente ruim!, atormentado com a ameaça terrorista, esta sim bem real), costumam estar redondamente enganados.

 

A Rádio Peão não é tão feia como a pintam e, o que é mais significativo, ela faz parte do processo de comunicação de qualquer organização. Ela é democrática porque freqüenta organizações de qualquer porte e tem a capacidade de arrebanhar ouvintes atentos em qualquer lugar do País ou do exterior (ou você pensa que só as organizações brasileiras têm a sua companhia?). A Rádio Peão, embora não seja coordenada por profissionais de comunicação, pode exibir uma competência formidável; logo, antes de execrá-la como um fenômeno nocivo, talvez valesse a pena ouvi-la com mais cuidado. Os comunicadores têm muito a aprender com ela porque, no fundo, a Rádio Peão traduz uma experiência importante de relacionamento com os colaboradores (eta palavrinha complicada e hipócrita!). Seria bastante aconselhável que os profissionais de comunicação organizacional a sintonizassem com mais regularidade porque há ensinamentos importantes sendo transmitidos por ela. A Rádio Peão é uma escola informal construída dentro dos muros da organização.

 

A primeira coisa que se deve entender é que a Rádio Peão é “coisa nossa”, ou seja, queiramos ou não, nós somos responsáveis por ela. Quando ela está ali, funcionando, em alto e bom som, é porque a organização não foi suficientemente competente, em seu processo de interação com os funcionários, e deixou vazios para serem preenchidos.

 

A Rádio Peão é exatamente a mão esquerda (não é a direita porque costumamos convencionar que a oposição é sempre de esquerda!) da comunicação de “mão dupla” (lembra-se? aquela que postula a importância do “feedback”?), muito difundida nos discursos dos executivos que comandam a comunicação interna, mas pouco praticada por eles. 

 

Ela existe porque as organizações costumam ignorar as demandas, as expectativas e as necessidades dos funcionários e os convida (ou os impele) a criar um veículo próprio para propagar as suas reivindicações, os seus temores e até os boatos que povoam as nossas relações pessoais e profissionais (puxa, tem empresa – e famílias - que mais parecem uma imensa rede de intrigas).

 

A Rádio Peão faz sentido. Ela é , na prática, uma contrapartida à comunicação oficial, a voz (que pode ser barulhenta e desagradável algumas vezes) dos funcionários que se sentem, de alguma forma, penalizados por um processo de gestão ineficaz ou por uma comunicação interna não democrática. E você acha justo que funcionários descontentes retribuam com fala mansa e elogios aos patrões? Você age assim quando se sente injustiçada?

 

E aí é que vem o melhor (ou o pior?) da história: o sucesso da Rádio Peão está na razão direta do insucesso do processo de comunicação organizacional. Uma organização que tem uma política de comunicação que prima pela agilidade, pela pró-atividade, pelo profissionalismo, pela ética, pela transparência , em geral cria embaraços terríveis para o pleno funcionamento da Rádio Peão. Se as informações circulam rápida e democraticamente, se a organização tem um bom ouvido para escutar (na verdade, a maioria das nossas organizações tem o mesmo defeito: uma boca enorme e uma orelha bem pequenininha), a Rádio Peão não encontra com facilidade ouvintes interessados. Se os funcionários são bem atendidos pela comunicação oficial (e o oficial aqui não tem sentido pejorativo), não precisam sintonizar outros veículos, não precisam de outros apresentadores de rádio para comunicar as boas e más notícias.

 

A Rádio Peão é uma concorrente importante e não precisa ser vista como um adversário perigoso e desleal. Na maioria dos casos, não é. Ela representa a expressão, a voz dos funcionários e pode, inclusive, ser utilizada no bom sentido, para legitimar a gestão e a comunicação competentes. O som da Rádio Peão só é desagradável quando a organização não consegue sintonizá-la direito. Isso acontece também com os nossos aparelhos receptores quando estão com a pilha fraca (a comunicação interna de muitas organizações parece que estão sempre com a pilha fraca!) ou quando a gente não coloca o ponteirinho em cima do lugar correto. Fica aquele chiado enorme, não é verdade? Às vezes, a Rádio Peão não pega direito e incomoda porque há interferências externas, mas o normal é que a sintonia inadequada seja mesmo culpa nossa, da nossa organização.

 

É preciso, de uma vez por todas, enxergar a Rádio Peão com outros olhos e ouvidos. Ela integra a comunicação das organizações (assim como as bactérias e os vírus fazem parte do nosso organismo e alguns até são indispensáveis para ele). Não precisamos sair por aí proclamando blasfêmias contra ela. Não vai adiantar nada.

 

Toda organização boa tem uma boa Rádio Peão. Toda organização que anda pisando na bola, em sua comunicação interna, tem uma Rádio Peão barulhenta, chata e que, na opinião das chefias, pode ser até ameaçadora. Vamos admitir:, para elas, a Rádio Peão pode até ser perigosa porque costuma inclui-las como vilões em sua programação diária. Chefes, na Rádio Peão, dificilmente aparecem como os mocinhos das telenovelas.

 

O importante é que a gente aprenda a conviver com a Rádio Peão porque, na prática, para não esticar demais a conversa, toda organização tem mesmo a Rádio Peão que merece.

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