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 Conhecimento 

Comunicação Empresarial: uma visão crítica

Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno

Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP, editor de 8 sites temáticos em Comunicação/Jornalismo.

Afinal de contas, o que é um house-organ?

Em princípio, todos nós sabemos o que é um house-organ. É a expressão inglesa que enuncia aquilo que costumamos chamar por aqui de jornal da empresa (que, na verdade, pode ser uma revista, um boletim ou a moderna newsletter eletrônica).

 

Mas, no fundo, não é esse o motivo da nossa indagação. Não estamos convidando você simplesmente para fazer a tradução destes termos porque não é isso que nos interessa. O que se quer discutir é se o house-organ se constitui ou deve se constituir em um veículo jornalístico, na verdadeira acepção do termo. O que se deseja saber também é se ele é um veículo feito para, com ou pelos funcionários. Ainda mais: é fundamental debater qual a função de um house-organ para a organização.

 

Bom, pensando assim, parece que a coisa fica mesmo complicada, sobretudo se tivermos em mente o panorama brasileiro em termos de jornais de empresa. 

 

Comecemos pelo início para que possamos ter respostas adequadas para a pergunta contida no título e que, de imediato, pareciam tão fáceis.

O house-organ, tal como conhecemos na “terra brasilis” (belíssima aliás, especialmente no verão e na Bahia), não se define, efetivamente, como um veículo jornalístico, se é que queremos situá-lo no mesmo conjunto em que se inserem os nossos jornalões, tipo A Tarde, Folha de S. Paulo, O Globo e assim por diante. 

 

Podemos apontar vários motivos para justificar a nossa afirmação. Em primeiro lugar, o house-organ tem um público específico (na prática, são vários públicos – lembra-se da nossa coluna sobre públicos?) e não se dirige a toda a sociedade. Em geral, não está disponível para se adquirir em banca, não tem assinatura etc. Em segundo lugar, ele tem uma linha editorial que restringe a sua temática, tendo em vista os interesses da organização que o edita. Ele não cobre qualquer assunto (será que não poderia?), mas, em geral, apenas aqueles que podem ter vínculo direto com a organização. Finalmente, ele não incorpora (o que não quer dizer que não poderia) a cultura jornalística, que tem como um de seus atributos a pluralidade de idéias, a polêmica, a controvérsia e até o tom denuncista, que tem, em boa parte, caracterizado, nos dias de hoje, a mídia brasileira (e, nesse último caso, é melhor mesmo que ele continue fora disso). Ou seja: o house-organ tem uma amplitude temática, um sistema de produção e condições de acesso bastante distintos de um veículo jornalístico tradicional.

 

Isso é bom ou ruim? Depende. Afinal de contas, o house-organ não cumpre mesmo (não quer cumprir, não pode cumprir) a mesma função de um jornal ou revista que está disponível para compra nas bancas. Mas vale a pena refletir um pouco sobre isso. Não seria razoável que o house-organ incorporasse pelo menos algumas características da mídia? 

 

Somos obrigados a concordar que sim. O fato de estar atrelado às demandas e interesses de uma organização não significa que ele deva continuar sendo (como tem sido a regra no caso brasileiro) tão insosso, tão insípido e tão inodoro. O house-organ, como qualquer veículo de comunicação (e aí tanto faz se é jornalístico ou não), precisa ser competente, quer dizer precisa estabelecer uma comunicação, integrar-se ao universo de seus leitores, propor o debate, confrontar opiniões distintas, enxergar o mundo e os assuntos em particular com a complexidade que eles costumam ter.

 

Parece que a perspectiva de quem elabora os house-organs no Brasil (salve, salve as exceções!) é absolutamente pobre: só se enxerga um lado e se pratica a teoria do “ pensamento único”, que é exatamente o lado e o pensamento que se afinam com a direção das organizações (mais especificamente da área de Recursos Humanos ou de Comunicação). O mundo é plural, todo tema tem suas variantes, há diversas posições sobre quaisquer assuntos (aborto, desarmamento, melhor candidato para a presidência da República, a comida ideal, o escritor preferido, o melhor programa de TV), mas, para a maioria esmagadora dos house-organs, o mundo é de uma cor só, como os carros pretos da Ford no início da indústria automobilística.

 

Se os house-organs “copiassem” os jornalões naquilo que eles têm mais de saboroso (está certo, estamos exagerando um pouco porque os nossos jornalões estão ficando cada vez menos plurais e menos saborosos), que é o incentivo à controvérsia, talvez eles não fossem descartados com tanta facilidade pelos funcionários. 

 

Você sabe, todos nós sabemos, que o house-organ tem uma cara e um cheiro enjoados de coisa oficial. Puxa, não tem jeito, ele é oficial mesmo, mas não podia pelo menos dar uma disfarçada? Aquela “babação” toda em cima da empresa e até de seus dirigentes (você já teve a paciência de contar quantas fotos de chefes aparecem em alguns jornais de empresa?), aquele montão de adjetivos para enaltecer a organização “mais cidadã, mais responsável, mais protetora do meio ambiente”, mais tudo, não pega bem. O funcionário, que se depara com um discurso viciado desses, olha desconfiado, torce o nariz e, quase sempre, chega à conclusão de que alguém lhe está querendo “passar a perna”. O house-organ não consegue ser uma obra-prima de informação (nenhum veículo é perfeito), mas não precisava também se constituir, como quase sempre acontece, em uma peça tão pouco criativa e convincente de propaganda. Calma aí, nada temos, mas nada mesmo contra a propaganda, mas o house-organ típico é propaganda de baixa qualidade e essa, num país em que a propaganda é referência mundial, não se pode aceitar.

 

O ideal seria que o house-organ propusesse temas para debate e não permanecesse, como está, alheio aos assuntos de interesse dos seus leitores. Uma empresa não é uma ilha, certo? Os funcionários continuam se comunicando com o mundo, lendo os jornalões, vendo TV e ouvindo rádio, que falam das coisas lá de fora. Ou não? Por que o house-organ não pode, então, discutir a questão do aborto? Por que o house-organ não pode indagar de seus leitores qual é, a seu juízo, o perfil ideal do próximo presidente da República? Por que o house-organ não pode discutir a comida que é servida no restaurante da empresa? Por que o house-organ não pode questionar o próprio processo de circulação de informações dentro da organização? Por que temas como assédio sexual no trabalho, liderança autêntica, remuneração etc não podem freqüentar os house-organs? Por que tantos temas tabus?

 

O discurso das empresas (e de seus executivos) está repleto de expressões bonitas como capital intelectual, gestão de conhecimento, comunicação estratégica, ética e transparência, governança corporativa etc, mas, todos sabemos, isso é só para “inglês ver” mesmo. Na prática, internamente, predominam a censura, a auto-censura, o controle, o patrulhamento. Tem jornal interno cujas matérias, antes de serem publicadas, passam pelas mãos de um punhado de gerentes e diretores (e em alguns casos até do Presidente!), como se a comunicação democrática fosse uma ameaça enorme à estabilidade das organizações. A gente sabe a razão: chefes que não são líderes autênticos temem mesmo o debate porque só conseguem manter (na verdade, impor) a autoridade em função do seu cargo e do poder que este lhes confere.

 

O house-organ (e aí vem o segundo nível de resposta à pergunta do título desta coluna) precisaria ser feito não apenas para os públicos internos, mas com eles e (por que não?) por eles. Os funcionários não deveriam ser apenas o público-alvo da publicação, mas participar dela ativamente. E como se faz isso? De várias formas: chamando-os para contribuam para a escolha dos assuntos a serem cobertos (portanto, influindo na pauta), mas, e principalmente, para que atuem como fontes, como verdadeiros protagonistas. 

 

As organizações têm a péssima mania de ignorar os funcionários em seus house-organs, a não ser aqueles que têm comportamentos e opiniões que estão em absoluta sintonia com a direção. Só aparecem (com foto e tudo) nos house-organs os funcionários que “pedem a benção” e “dizem amém” a tudo. Enquanto isso, os leitores, que não são bobos, continuam a repetir o velho refrão : “ e o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais”.
 

As organizações são tão preconceituosas em seus veículos internos que procuram pessoas “bonitas” para figurarem neles.Algumas empresas, se nos basearmos em seus house-organs e folders, parece que só aceitam gente “bonita” para trabalhar, ou seja, que esteja de acordo com um padrão pré-estabelecido. Gente “feia” (politicamente incorreto isso, não é?) é colocada de lado. Uma boa pesquisa (aí está um tema para TCC, monografias, teses etc) indicaria que existe um “racismo visual” nos house-organs. Está bem, não é só nos house-organs, mas na própria sociedade como um todo. Mas os jornais (e os profissionais de comunicação que os elaboram e as áreas de RH que os administram) não poderiam mudar esta situação?

 

Os house-organs precisam colocar de vez os funcionários como protagonistas, deixando de lado a idéia (autoritária, arrogante etc) de que o profissional de comunicação ou o diretor de RH (depende de quem manda neles) “sabe o que o público deseja”. Essa política de “deixa comigo que eu sei o que faço” precisa acabar: o lema agora é “vamos compartilhar o processo de tomada de decisões”. Antes de lançar um novo sabor de sorvete, as empresas fazem pesquisa, pedem para que os públicos potenciais do produto o experimentem. Mas na hora de colocar um house-organ na praça, alguém decide pelos leitores e tenta enfiar o produto goela abaixo a qualquer custo.

 

A comunicação interna (e o house-organ, até segunda ordem, integra esse processo) deve assumir que todos, sem exceção, são importantes e devem ter voz e voto, a não ser que a empresa se assuma mesmo como autoritária, não democrática, não participativa, não moderna. Mas toda organização, todo executivo costuma (hipocritamente) dizer exatamente o contrário. Esta história de “o funcionário é o nosso maior patrimônio” parece brincadeira quando a gente contempla os house-organs, não é mesmo?

 

Finalmente (e terminamos com a última resposta à nossa indagação), o house-organ precisa desempenhar funções estratégicas na organização e não representar “uma coisa a mais que nós fazemos por aqui”.

 

O house-organ não é importante apenas porque, para produzi-lo, são investidos tempo e dinheiro. Ele é importante porque faz parte de um processo vital de interação da organização com os seus públicos internos. Para muitas organizações, ele chega a ser, na prática, o único canal de relacionamento com os públicos internos (o que é um equívoco imenso). Logo, o house-organ não deve ser entendido como uma obrigação da empresa (“ toda empresa que se preze tem que ter um house-organ, fica mal não ter um”) , ou como algo que se coloca de lado toda vez que a “maré não está para peixe”.

 

O house-organ tem que ser planejado porque ele cumpre (quando efetivamente é para valer) um papel estratégico e, por isso, ele precisa ser uma peça competente de comunicação. E o que é, no caso do house-organ, uma peça competente? Aquela que realmente está inserida no processo global de comunicação interna e que é percebida pelos públicos internos como relevante. Para isso, precisa estar em sinergia com as demandas, as expectativas e o background sócio-cultural e econômico dos seus leitores.

 

O house-organ ideal é aquele que é definido a partir do conhecimento aprofundado dos hábitos de leitura e de interesse dos seus públicos (já vimos em colunas anteriores que toda empresa, particularmente as de médio e grande porte deveriam ter vários house-organs, adaptados aos perfis de seus distintos públicos internos). Como se faz isso? De uma única forma: conhecendo-se os públicos, convidando-os a participar da produção do house-organ.

 

Convenhamos, um(a) gerente de RH ou um(a) profissional de comunicação, sentado(a) cômoda e preguiçosamente em sua sala refrigerada, não terá condições de definir, sozinho(a), o que realmente interessa aos seus públicos internos. É preciso levantar o traseiro das cadeiras estofadas, ouvir , perguntar, pesquisar bastante antes de colocar um house-organ na praça (muitos editores de house-organ nem se dão conta de que muita gente tem dificuldade para ler em nosso país!).

 

O house-organ deve tratar de temas que contribuam para o desenvolvimento pessoal e profissional dos públicos internos e não ser apenas um mero depósito de elogios às organizações e às chefias, um veículo sob controle, sem cor, cheiro ou sabor.

 

Os house-organs que estão por aí (viva de novo as exceções!) estão muito distantes desta situação ideal. Não cumprem função alguma. Sendo assim, podem ser descartados mesmo. Na prática, não é isso que a maioria dos funcionários faz quando os recebe? E eles estão errados? A bola está com você, caro leitor.

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